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SÍNDROME DE PERFUSÃO ARTERIAL REVERSA EM GEMELAR FETO ACÁRDICO
TRATAMENTO COM EMBOLIZAÇÃO DE ARTÉRIA UMBILICAL INTRA-ÚTERO

AUTORES:

Júlio César Faria Couto
Marcus Vinícius Rodrigues Silva
Juliana Moysés Barbosa Leite
Maurílio Cruz Trigueiro
Janaína Lopes de Queiroz
Ludmila de Paula Ferrreira Lúcio
Sinval Ferreira de Oliveira

INSTITUIÇÃO:

Serviço de Medicina Fetal da Santa Casa de Belo Horizonte, MG

Unidade de Medicina Fetal do Hospital Mater Dei, BH, MG

INTRODUÇÃO

     A síndrome de perfusão arterial reversa é uma rara condição que ocorre em 1% das gestações gemelares monozigóticas, em aproximadamente 1/35.000 partos, sendo três vezes mais freqüentes em gestações trigemelares (A). É considerada a forma mais extrema de apresentação clínica da síndrome de transfusão feto-fetal, com múltiplas malformações no feto com perfusão reversa.

     A seqüência caracteriza-se por uma fístula arterio-arterial entre as circulações dos dois fetos, com fluxo direto da artéria umbilical de um feto até a artéria umbilical do feto receptor, que apresentará um padrão reverso de circulação, com hipóxia tecidual importante durante seu desenvolvimento sistêmico. O feto doador, de morfologia normal, desenvolve insuficiência cardíaca por área corpórea aumentada a ser perfundida. A descompensação cardíaca produz efeitos adversos, como cardiomegalia, estenose pulmonar, polidramnia, ruptura de membranas e parto prematuro. A perda fetal ocorre em proporção significante, com decesso superior a 50% nos fetos doadores (B). O decesso incide em 100% dos fetos perfundidos devido às múltiplas malformações congênitas (A).

     O feto acárdico é uma apresentação clínica da sequência, sendo classificado em quatro grupos principais: acárdico anceps, no qual ossos do crânio e tecido cerebral estão presentes; acéfalo-acárdico, no qual há ausência de crânio e órgãos torácicos; acárdico-acórmio, há apenas ausência de crânio; e acárdio amorfo, no qual o feto não é reconhecido como forma humana. O feto acárdico-acéfalo é a forma mais comum.

RELATO DE CASO

     Trata-se de paciente, G2P0A1, 29 anos, encaminhada com 27 semanas de gestação de unidade periférica de assistência ao serviço de Medicina Fetal da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, com diagnóstico clínico de gestação gemelar associada a polidramnia. Gestação espontânea, com cronologia confirmada por ultrassonografia de 1º trimestre. À anamnese, constatou-se história familiar negativa para malformações congênitas ou síndromes genéticas. O estudo morfológico detalhado revelou gestação gemelar monocoriônica, monoamniótica, e biometria compatível com 27 semanas e 5 dias. Foi constatado aumento do volume de líquido amniótico (ILA= 515 mm), confirmando a suspeita de polidramnia. O feto 1 era do sexo masculino, encontrava-se em situação longitudinal, posição direita, apresentação cefálica, morfologicamente sem alterações, biometria citada acima, com peso estimado em 1.020 gramas. As câmaras cardíacas ocupavam área limítrofe da normalidade no tórax, a bexiga estava permanentemente distendida. Estes achados ultrassonográficos são sugestivos de hipervolemia e sobrecarga cardiovascular (figura 1).



Figura 1 - Abdome fetal em gestação acárdica

     O feto 2 mostrava-se em situação longitudinal, ocupando a região esquerda do útero. A morfologia deste feto identificou edema acentuado de partes moles, sem visualização de pólo cefálico e membros superiores. O tórax era rudimentar, sem tecido pulmonar claramente demonstrável, e as câmaras cardíacas não foram visualizadas. O sistema esquelético encontrava-se presente na região inferior do corpo, com fêmur, tíbia e fíbula bilaterais, de ecogenicidade normal, embora a biometria e morfologia fossem assimétricas. A coluna estava presente apenas no segmento sacral e 4 últimas vértebras lombares. O tônus corporal era inexistente. Na cavidade abdominal, haviam estruturas de diferenciação incompleta ao ultra-som, sugerindo alças de intestino delgado. Rim único, de morfologia normal, com bexiga presente. Os vasos ilíacos comuns e a artéria umbilical foram identificados na pelve, junto à porção inferior da aorta. A genitália externa também era masculina. A massa fetal media 11 cm de comprimento, e seu tamanho permaneceu estável durante a avaliação longitudinal.

     O estudo de anexos evidenciou placenta corporal esquerda anterior, de morfologia e dimensões normais, vasos umbilicais de inserção habitual, o feto acárdico exibindo artéria umbilical única, e grande congestão da veia umbilical do feto normal.

     Foi realizada dopplerfluxometria arterial que revelou elevação da resistência ao fluxo sangüíneo na artéria umbilical de ambos os fetos, com índice de pulsatilidade (IP) = 1,39 no feto doador e 1,30 no feto acárdico. O doppler colorido identificou comunicação direta de vaso placentário periférico, superficial, originado na artéria umbilical do feto normal, até a artéria umbilical do feto acárdico, configurando uma fístula arterio-arterial, o feto normal atuando como perfusor da massa acárdica restante do 2º gemelar. O diagnóstico firmado como sequência de perfusão arterial reversa, com descompensação cardiovascular do feto doador.

     O serviço de Medicina Fetal optou por introdução de terapia com digitálico oral conforme protocolo, iniciado digoxina 0,25mg BID durante três dias, em dose de ataque, seguido por 0,25mg diariamente, objetivando-se a melhora da função cardíaca com redução do volume do líquido amniótico, e reavaliação semanal.

     Um novo estudo ultrassonográfico realizado após 7 dias demonstrou redução no ILA (400mm), com condições cardiovasculares estáveis no feto perfusor, sendo mantida a terapia com digoxina. A maturação pulmonar fetal foi promovida com corticoterapia, betametasona IM 12mg, uma dose diária consecutiva por 48 horas, seguidas por repetição a cada 7 dias para manutenção de efeito.

     Na 29ª semana, a avaliação ecográfica evidenciou ILA de 310mm, com melhora progressiva do quadro de polidrâmnio. O peso estimado foi de 1.230 gramas no feto normal. O IP calculado foi de 1,14 nas aa. umbilicais de ambos os fetos. Cardiomegalia dilatada foi identificada, sendo sugerida a realização de ecocardiografia fetal. O tamanho da massa acárdica permaneceu estável. O estudo cardíaco mostrou constituição anatômica normal, com dilatação difusa das câmaras cardíacas, mais pronunciada em ventrículo direito, e velocidade de fluxo aumentada em a. pulmonar, sugerindo estenose discreta, quadro encontrado com frequência nesta patologia (A). A conduta foi mantida, com reavaliação ecocardiográfica seriada para quantificação das alterações cardíacas, e manutenção da gestação até momento de melhor prognóstico perinatal, até a 32ª semana, se as condições intrauterinas estáveis.

     O ecocardiograma na 31ª semana evidenciou piora da estenose pulmonar e aumento da área cardíaca, que atingiu 58% da área torácica (N: 1/3 área torácica). Nesse momento, o peso fetal estava inalterado em relação ao exame realizado duas semanas anteriores. O IP de artéria umbilical no feto normal foi calculado em 1,27. Decidido por terapia invasiva antenatal, com embolização da fístula arterio-arterial, como forma de alívio do sistema cardiovascular do feto normal, conforme descrito por Sepulveda e cols. (C)




Figura 2 - embolização na a. umbilical na pelve do feto acárdico


     Com 32 semanas, realizou-se embolização da artéria umbilical do feto acárdico, por via abdominal transplacentária, por punção fetal com agulha 18 G, após identificação do segmento da artéria umbilical do feto acárdico lateralmente à bexiga, distante da veia umbilical, e injeção de 2 ml de álcool absoluto a 96%, procedimento realizado sem intercorrências, com duração de 5 minutos (figura 2). A interrupção do fluxo na artéria foi confirmado por dopplerfluxometria colorida imediatamente após a embolização. Após 24 horas, foi verificada acentuada redução na congestão venoso umbilical no feto normal, apesar da persistência de resistência elevada em fluxo umbilical (IP = 1,38).O fluxo arterial no feto acárdico permaneceu ocluído.

     Dois dias após a embolização, houve rotura das membranas, sendo realizado parto cirúrgico, com nascimento de criança do sexo masculino, com Apgar 9/9, pesando 1515g. O recém-nascido apresentou evolução neonatal satisfatória, sem intercorrências, com regressão total da cardiomegalia até a alta hospitalar no 33º dia. O feto acárdico foi retirado após o feto normal (figura 3). Foi realizado estudo anátomo-patológico da placenta e massa acárdica confirmou o diagnóstico intrauterino, com identificação da fístula placentária. O Rx da massa evidenciou as alterações na gênese esquelética.



Figura 3 - Feto acárdico


Figura 4 - Anastomose placentária em sequência de perfusão reversa




DISCUSSÃO

     A TRAP síndrome (twin reversed arterial perfusion sequence) é uma condição rara específica da gestação múltipla monocoriônica, que incide em 0.3/10.000 nascimentos. A ocorrência em gestações dizigóticas é relatada de modo inconstante, em condições de fusão relatada em pares placentária (D). Não há prevalência definida quanto a amniocidade, mas há maior incidência de fetos do sexo feminino (E). Caracteriza-se pela presença de um fluxo arterial através de uma anastomose placentária entre o feto doador, morfologicamente normal, e o feto acárdico. A sequência envolve um desenvolvimento anômalo da circulação umbilical do feto receptor, com perda da conexão vascular direta com a placenta em todos os casos, com a artéria umbilical, na maioria das vezes única, ligada a circulação do feto doador (B). Neste contexto, ambos os fetos dividem uma artéria umbilical comum e a irrigação do feto receptor depende completamente do suprimento pelo feto doador.

     Várias teorias têm sido propostas para justificar a fisiopatologia da TRAP síndrome. A teoria vascular é a mais aceita e propõe o aparecimento precoce de anastomoses vasculares na placenta como defeito primário. Essas anastomoses implicariam em uma perfusão contra-corrente de sangue arterial pobre em oxigênio para o feto com pressão arterial menor, resultando em hipóxia tecidual importante na fase de gênese de órgãos e membros fetais. Os efeitos da hipóxia são mais evidentes na metade superior do corpo, provavelmente por hipoperfusão em relação à extremidade inferior, que necessita menor pressão vascular para receber suprimento sanguíneo. Esta sequência de perfusão reversa-hipoperfusão tecidual-hipóxia resulta em disrupção da morfogênese normal, agenesia e malformação de crânio, cérebro, membros superiores e órgãos torácicos, mais comumente. Os órgãos irrigados pela aorta e artérias ilíacas são os apresentam melhor desenvolvimento (A,B). O tamanho da massa dismórfica que permanecerá na cavidade uterina, sem sofrer absorção e com crescimento subsequente, dependerá da quantidade e qualidade da irrigação recebida no decorrer da gestação.

     Várias teorias têm sido propostas para justificar a fisiopatologia da TRAP síndrome. A teoria vascular é a mais aceita e propõe o aparecimento precoce de anastomoses vasculares na placenta como defeito primário. Essas anastomoses implicariam em uma perfusão contra-corrente de sangue arterial pobre em oxigênio para o feto com pressão arterial menor, resultando em hipóxia tecidual importante na fase de gênese de órgãos e membros fetais. Os efeitos da hipóxia são mais evidentes na metade superior do corpo, provavelmente por hipoperfusão em relação à extremidade inferior, que necessita menor pressão vascular para receber suprimento sanguíneo. Esta sequência de perfusão reversa-hipoperfusão tecidual-hipóxia resulta em disrupção da morfogênese normal, agenesia e malformação de crânio, cérebro, membros superiores e órgãos torácicos, mais comumente. Os órgãos irrigados pela aorta e artérias ilíacas são os apresentam melhor desenvolvimento (A,B). O tamanho da massa dismórfica que permanecerá na cavidade uterina, sem sofrer absorção e com crescimento subsequente, dependerá da quantidade e qualidade da irrigação recebida no decorrer da gestação.

     O acometimento cardíaco pode ser explicado também pelo fluxo diminuído em suas câmaras, com hipoplasia secundária, possivelmente em uma expressão mais acentuada do quadro observado em malformações congênitas do órgão onde há ausência de fluxo cardíaco local, como nas atresias valvares. O desenvolvimento destas câmaras é realizado de modo dependente de fluxo interno, que molda e hipertrofia as paredes miocárdicas.

     Defeitos na embriogênese, como agenesia ou hipoplasia cardíaca, anomalias cromossômicas e aspectos imunológicos também tem sido descritos como responsáveis pela fisiopatologia da TRAP síndrome, mas não existem fortes comprovações dessas teorias.

     A agenesia cardíaca origina uma massa amorfa retroperfundida pelo sistema cardiovascular do outro gemelar, que progride com insuficiência cardíaca decorrente do aumento da massa fetal acárdica. Em vários estudos, houve uma correlação linear entre o crescimento da massa acárdica e a progressão da insuficiência cardíaca congestiva no feto normal (C).

     No feto doador, a morfologia encontra-se normal em todos os casos, sem elevação da incidência de malformações congênitas. O coração exibe hipertrofia e dilatação em graus variados, com estenose relativa da a. pulmonar devido à miohipertrofia ventricular direita. A restrição de crescimento é comum (B). Hepatoesplenomegalia, ascite com hipoplasia de músculos abdominais ocorrem secundários à insuficiência cardíaca. Hipoalbuminemia por síntese hepática inadequada ocorre nos casos mais avançados.

     O diagnóstico da sequência de perfusão arterial reversa é realizado através de achados específicos na ultrassonografia, como ausência da atividade cardíaca, defeitos no desenvolvimento músculo-esquelético e de órgãos internos em um dos fetos de uma gestação múltipla monocoriônica. A demonstração de fluxo arterial diretamente do feto normal em direção à massa fetal anormal através da dopplerfluxometria colorida confirma o diagnóstico. O estudo anátomo-patológico da placenta e vasos, após o término da gestação, com identificação da fístula artério-arterial, geralmente superficial, é o padrão-ouro diagnóstico da patologia. A idade gestacional de apresentação varia de 17 a 30 semanas, com êxito letal se identificada posteriormente.

     Inúmeras complicações obstétricas estão associadas à TRAP síndrome, entre elas polihidramnia, insuficiência cardíaca fetal, parto prematuro, hidropsia fetal, ruptura uterina, acidentes de cordão e decesso fetal. A morte fetal decorre da falência cardíaca ou prematuridade extrema.

     A terapia inicial é dirigida à estabilização das forças atuantes na coluna sanguínea fistulosa. Objetiva normalizar o volume de líquido amniótico, melhorar a função miocárdica ou reduzir a área anômala perfundida pelo sistema vascular fetal. Várias modalidades terapêuticas foram propostas, mas não há consenso sobre a melhor terapia. As abordagens mais comuns são: 1) observação, com avaliação seriada da vitalidade fetal, e interrupção da gestação quando atingida a viabilidade ou descompensação grave do coração fetal; 2) intervenção limitada ao controle da polihidramnia, através do uso de medicamentos como indometacina e realização de amniodrenagem seriada; 3) transfusão intrauterina para correção da anemia fetal; 4) histerotomia com remoção do feto acárdico; 5) ligadura percutânea da circulação fistulosa, por via endoscópica; 6) embolização da artéria umbilical do feto acárdico com interrupção do fluxo reverso, por métodos físicos (laserterapia) ou químicos (substâncias esclerosantes).

     Os métodos terapêuticos intervencionistas comprovadamente apresentam melhores resultados do que a conduta observacionista, que implica em morte fetal acima de 50% dos casos (F). A intervenção limitada ao controle da polidramnia e a interrupção imediata da gravidez apresentam como risco as possíveis complicações de um parto prematuro, em um feto instável hemodinamicamente. A digoxina é indicada como terapêutica inicial, melhorando a função cardíaca do feto, efeito identificável através da redução da cardiomegalia e, mais comumente, normalização do volume de líquido amniótico. A utilização associada de indometacina, para como terapêutica do polidrâmnio, deve ser bastante judiciosa, uma vez que estes fetos apresentam maior incidência de estenose da artéria pulmonar. A utilização de uma droga que provoca constrição do ducto arterioso nesta condição patológica, como a indometacina, pode propiciar o decesso intra-útero imediato.

     Transfusões sanguíneas seriadas são eficazes em corrigir a anemia decorrente da hipervolemia e aumento da massa fetal perfundida, entretanto, demandam procedimentos invasivos repetidos, e que podem levar à perda gestacional. A histerotomia apresenta, além dos riscos cirúrgicos inerentes ao procedimento, complicações maternas pós-operatórias descritas associadas a altos índices de prematuridade extrema e perda fetal. A laserterapia para esclerose vascular foi descrita em pequena série de casos, em 5 gestações com idade entre 17 e 28 semanas. A coagulação da artéria umbilical foi obtida com sucesso nos dois casos realizados até a 20ª semana, entretanto, após esta idade gestacional, com o aumento do calibre e edema por ingurgitamento dos vasos umbilicais, o procedimento não foi eficaz em interromper o fluxo arterial (A). A embolização da artéria umbilical realizada por via abdominal, com infusão de substâncias esclerosantes vasculares, tem se mostrado um método eficaz de terapia, dirigido ao controle da fístula, e interrupção da sobrecarga circulatória. O método propicia menor morbidade materna que terapêuticas invasivas em cirurgia aberta. As possíveis complicações desse método seriam o risco de corioamnionite, a ruptura das membranas, a perfuração dos vasos do cordão umbilical e embolização periférica do feto normal, principalmente no sistema nervoso central. A ligadura da fístula arterial no cordão do feto acárdico-receptor por via endoscópica tem seu uso limitado pela complexidade técnica e alto custo dos equipamentos

COMENTÁRIOS

     Existem diversas técnicas relatadas na literatura como tentativa de interrupção do fluxo arterial reverso entre o feto normal doador e o feto receptor, como tratamento da insuficiência cardíaca e anemia que levam à perda gestacional na maioria dos casos de TRAP síndrome.

     O tratamento da polihidramnia deve ser orientado quanto à sua fisiopatologia, a sobrecarga cardiovascular do feto doador, com elevação da diurese como mecanismo compensador da hipervolemia. Fatores relacionados ao feto receptor-anômalo devem estar envolvidos na alteração do volume de líquido amniótico e, como na anencefalia, a ausência de produção de hormônio antidiurético pela hipófise inexistente ou malformada deve colaborar no quadro clínico, elevando a diurese daquele feto.

     O tratamento com digoxina permite controle ou mesmo reversão do quadro de insuficiência cardíaca (G). Este controle é limitado pelo crescimento da área corporal irrigada pelo feto doador, compreendendo tanto seu organismo quanto a massa acárdica. A descompensação cardíaca reinstala após período variável de controle inicial.

     A administração de indometacina ou a amniodrenagem seriada são métodos descritos de redução do líquido amniótico. Estas terapias são eficazes no tratamento do polihidrâmnio em gestações únicas, entretanto não impedem a progressão do quadro de insuficiência cardíaca, com decesso fetal ou neonatal, podendo mesmo precipitá-la, como no uso da indometacina, por fechamento prematuro do ducto arterioso. A retirada seriada do líquido amniótico pode predispor à rotura prematura de membranas e parto prematuro.

A realização de histerotomia com nascimento seletivo do feto acárdico foi relatada em pequeno número de casos na literatura, apenas 7 casos até o presente momento (B). A morbidade materna está extremamente elevada nesta forma terapêutica, necessitando duas intervenções cirúrgicas em curto intervalo de tempo. A permanência hospitalar materna variou entre 7 e 36 dias, e em 6 destes casos uma cesareana de emergência foi realizada por descolamento prematuro de placenta. Cinco destes recém-nascidos sobreviveram (H,I).

Cirurgias endoscópicas para interrupção do fluxo no cordão umbilical do feto acárdico foram relatadas na literatura, utilizando ligadura direta (J,K) ou neódmio-YAG laser (A). Entretanto, o equipamento necessário à realização do procedimento é expensivo, de difícil manutenção, e ainda com alta morbiletalidade fetal associada, seja por interrupção inadequada do fluxo ou aumento da incidência de rotura de membranas.

Embolização da artéria umbilical por substâncias esclerosantes (L), tamponamento vascular por injeção de sangue materno na geléia de Wharton e transfusões intrauterinas seriadas (A) foram utilizadas para controle do quadro de insuficiência cardíaca, com resultados discordantes na literatura. O álcool absoluto é substância esclerosante eficaz na embolização de vasos arteriais em adultos (M), e foi utilizado pela 1ª vez na gestação acárdica por Sepulveda e cols. (C), com sucesso na interrupção da circulação umbilical. Demonstramos que a coagulação da a. umbilical em anastomoses de gestações com perfusão reversa é viável, de baixo custo e alta eficácia, porém, complicações decorrentes da invasão da cavidade amniótica, como a rotura de membranas, podem limitar o sucesso terapêutico.


REFERÊNCIAS

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B - B. Allen MIV, Smith DW, Shepard TH. Twin reversed arterial perfusion (TRAP) sequence: a study of 14 twin pregnancies with acardius. Seminars in Perinatology 1983; 7(4):285-293.

C - C. Sepulveda W, Bower S, Hassan J, Fisk NM. Ablation of acardiac twin by alcohol injection into the intra-abdominal umbilical artery. Obstet Gynecol 1995; 86:680-1.

D - D. Benirschke K, Kim CK. Multiple pregnancy, part I and II. Eng J Med 1973; 288(24):1276; 288(25):1329.

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F - F. Schinzel AAGL, Smith DW, Miller JR. Monozygotic twinning and structural defects. J Pediatr 1979; 95:921-30.

G - G. Simpson PC, Trudinger BJ, Walker A, Baird PJ. The intrauterine treatment of fetal cardiac failure in a twin pregnancy with na acardiac, acephalic monster. Am J Obstet Gynecol 1983; 147:842-4.

H - H. Robie GF, Payne GG, Morgan MA. Selective delivery of na acardiac, acephalic twin. N Engl J Med 1989; 320:512-13.

I - I. Ginsberg NA, Applebaum M, Rabin AS, Caffarelli CM, Barton JJ. Term birth after mid-trimesters hysterotomy and selective delivery of na acardiactwin. Am J Obstet Gynecol 1992; 167:33-7.

J - J. McCurdy CM, Childers JM, Seeds JW. Ligation of the umbilical cord of na acardiac-acephalus twin with na endoscopic intrauterine technique. Obstet Gynecol 1993; 82:708-11.

K - K. Quintero RA, Reich H, Puder KS, Bardicef M, Evans MI, Cotton DB, Romero R. Brief report: Umbilical cord ligation of na acardiac twin by fetoscopy at 19 weeks of gestatio. N Engl J Med 1994; 330:469-71.

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